quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Um Amor Mouro - I

Ela resmungou alguma coisa e logo depois cobriu o pedaço de perna que estava de fora do seu longo vestido, cor do mar. Eu a alertei pela segunda vez que logo, ela teria de subir para o seu quarto. E pela segunda vez ela fingiu não escutar, começa a cantarolar e enrolar entre os dedos um dos seus cachos ralos.
O cheiro de rosas subiu, e muitos dos outros a nossa volta, se viraram olhando para ela de forma gananciosa.
Eu odiava quando ela descia. Odiava fechar os olhos, odiava dormir. Ela sempre descia, quase todas as noites, e por isso tinha que me manter desperto. Só havia homens perto de mim, homens sem suas mulheres. Todas estavam longe. Só eu sabia o perigo que a rodeava, eu e seu pai, mas esse não sabia que ela descia.
Ela me dizia sorrindo dentes de criança, pequenos e redondos “Não vejo maldade em nenhum deles... Estão sofrendo, não fariam o mesmo.” Ela era o parecia ser. Pura.
Eu nunca tinha conhecido uma pessoa assim, uma pessoa como ela. Quando criança já havia ouvido falar de mulheres da cor da Lua, que eram o oposto do meu ser. Contavam-me que nós da terra da noite roubamos deles o Sol e eles a nossa Lua. É horrível não se lembrar das situações com nitidez, queria me lembrar dessa história, queria contar para ela. E como sempre quando conversávamos, ela me olharia atenta e a cada surpresa e graça, me presentearia com uma nova expressão.
Fechei a cara para todos eles, e logo tirei a vista e fingi pensar, olhando para o pequeno pedaço de chão que achei entre tantos pés amontoados. Não era tão forte, não sabia lutar melhor que alguns a minha volta, havia muitos guerreiros, derrotados, mas havia. Se todos se voltassem contra mim, perderia. E sentia que essa hora estava chegando.
- Quero que suba! – disse apenas para que ela escutasse.
- Amanhã, eu não precisarei acordar cedo. – ela segurou uma das minhas mãos e passou seu dedo pelos meus calos e arranhões.
- Eu quero que você suba, e não venha amanhã. – ela continuou atenta no meu pulso machucado pela corrente que o prendia.
- Me conta mais uma vez. – ela mandou, sem me olhar.
Por que ela parecia uma criança? Respirei fundo, sem achar uma resposta.
- Uma menina olhou para mim, e dentro dos seus olhos eu me vi. Meninas assim não existem onde eu nasci. Meninas de nariz pequeno..., tudo pequeno. Ela sorriu para mim e jogou seu longo cabelo para trás, e eu também nunca tinha visto um cabelo assim. Quando ela me olhou novamente eu já estava no chão, de boca sangrando, estava desdentado. Quando eu a olhei novamente, não havia mais homens sobre mim. Acabou enjoou, acabou medo, acabou solidão. Começou outro medo, começou outra sensação. E você só vai subir se eu lhe disser que no fim, o Sol encontrou a Lua.
Ela me beijou, enchendo a minha boca de um gosto doce e refrescante. Eu fiquei envergonhado do gosto sujo e grosso que deixei na dela. Ela me abraçou com força, esfregando seu vestido em mim, fazia o que não gostava que fizesse grudar meu cheiro nele. Depois se foi, desejando boa noite a todos que não tinham vergonha de mostrar que a olhavam, pois todos olhavam. Tinha certeza que para todos á melhor hora era quando ela chegava e ia. Para mim era o tempo que passávamos juntos.

Um Amor Mouro - II

O QUARTO DE CLARISSE – ANTES DE DESCER.
“Trinta minutos antes de todos se jogarem, vinte segundos antes de se olharem, uma eternidade para se reencontrarem. Milhões de vozes, gritos e chamados perdidos, revelações feitas às pressas, brigas esquecidas, e sofrimentos apaziguados. Era a hora da nossa morte. Ele me diz que é insano tudo aquilo, tudo que vivemos, apouco estávamos os dois deitados, nos amando. Agora ele se segurava na proa, procurando coragem para pular. Eu o olho, o revisto todo, tento guardar tudo que posso em minha fraca memória. Seus pulsos e calcanhares cheios de cascões de feridas recém-saradas, seus lábios grossos, sua cabeça redonda, roupa suja e rasgada, um olho torto, um nariz amassado e com seu interior quebrado. Uma beleza escondida como se apenas eu pudesse decifrar todos aqueles erros e desproporções, mas olhá-lo era tão bom.”
“Ele gritava, desce, desce minha clara, desce pra mim! E dentro de mim lhe gritei o meu amor, o incentivando a esquecer do medo e a sorri, mas apenas ele podia me ouvir. Porque ninguém via a pessoa que existia? Porque meu pai, o dono de mim, o dono dessa parte que saiu dele e ganhou vida e fala, não podia sentir o mesmo ardor no peito como eu? Eu o amo pai! Eu o amo demais! Amo tanto que sem ele não a vida. Mas não me ouviam, eram muitos gritos, o meu virou apenas mais um.”
Um estrondo me fez saltar da cadeira. Quando procurei pelo quarto e vi a minha cama com uma das suas pernas quebradas e uma moleca se escondendo de mim, só faltei gritar de ódio.
- Oras! O que te deu criatura? – esbravejei olhando a moleca tentar levantar a cama com seus braços magricelas.
- Eu... Por favor... – ela tentava, mas a cama não se mexia.
- Você não pode entrar assim, não aqui. Eu estava fazendo algo muito importante, se erro mais uma vez sou capaz de afundar esse barco! – a menina se encolheu mais, com medo.
Dei risada do seu medo e da sua inocência em acreditar que eu tinha todo aquele poder. A ajudei a se levantar, e ela arregalou os olhos para minhas mãos em seus braços.
- Estou brincando. É que eu tento escrever, mas sou péssima... Não conte a ninguém! – lhe pedi do meu jeito dramático e ela saltou negando com os olhos assustados.
Ela não era tão pequena assim, deveria ter minha idade, só que não deveria ter se alimentado direito. Meu pai gritou do lado de fora da minha porta e ela tremeu tanto que me incomodei. Alisei seus braços, fiz um carinho em seu rosto magro, ela não pareceu gostar, mas não se distanciou.
- Eu não vou contar nada, espero que você faça o mesmo. – ela olhou para os meus papéis sobre a mesinha e a perna da cama no meio do quarto. – Sobre os dois.
Meu pai continuo a berrar no corredor. Estava irritado com algum dos empregados do barco, humilhou uma mulher e bateu em alguém. A menina não parecia interessada em sair do quarto nem tão cedo, e meu pai estava apenas no começo de sua revolta. Abri a porta e no mesmo estante o som parou.
- Papai, eu quebrei a cama. – disse antes de olhar todo o corredor.
Um homem segurava outro pela garganta e lhe apontava uma pequena faca. Uma mulher estava sangrando e praticamente nua, um de seus seios dependurava de sua camisa rasgada. Havia mais homens a sua volta e meu pai passou por todos até me alcançar com seus olhos, me olhou de cima a baixo e pareceu ficar envergonhado.
- Minha filha, que trajes são esses. – eu sabia que estava de camisola, mas não me preocupei.
- Papai, eu devo me preocupar com minha camisola? – apontei a mulher.
O homem puxava seu cabelo, tentando a arrastar para longe dos meus olhos. Passei por meu pai, pelos homens que brigavam, pelos outros que estavam prestes a brigarem comigo e arranquei a mulher das mãos do homem. A empurrei para meu quarto, antes que meu pai se pronunciasse e bati a porta.
- Ela ira me ajudar a conserta a cama! – gritei.
Ele não ousaria invadir meu quarto. Se o fizesse assim que chegasse em casa, contaria tudo a mamãe e ele iria para o tronco!
- Anda menina, pega água e me ajuda a limpar a moça. – disse a ela, que ficou me olhando sem entender nada.
Abri minhas gavetas e não achei nada que pudesse servir àquele corpo cheio de curvas. Dei-lhe meu robe e enxuguei suas lágrimas. A mulher em silencio continuou. Parada a minha frente, olhava para o chão, tornei a enxugar suas novas lágrimas.
- Mas que demorada tu és moleca! Cuida dos machucados dela, isso não sei fazer. – fiz uma cara de pesar, a menina começou a fazer o que lhe pedi com muita falta de vontade.
Assim que tudo ficou nos conformes, esperei perto da porta que as duas se fossem. Mas não saíram, pareciam querer ficar ali, escondidas. Mas eu queria minha paz, meu quarto vazio, apenas comigo dentro dele.
- Eu vou me trocar. – tirei a roupa no canto do quarto, e a moleca deu um jeito de me ver através do trocador.
Olhava-me com curiosidade e de nariz torcido. Eu não lhe fazia o tipo de beleza ideal. Assim que acabei abri a porta e as duas se grudaram em minha retaguarda, andaram junto de mim a cada passo que dei.
- Onde esta tua mãe? – perguntei a menina, e ela disse algo parecido com um “não tenho” carregado no seu idioma.
A moça sabia que também estava na mesma. Não me interessava saber o que faziam nem de onde tinham saído, só queria me livrar delas e ir para o meu quarto.
- De onde vocês saíram? – perguntei já cansada de tanto rodar pelo barco.
Ficaram as duas caladas. As duas cabisbaixas e medrosas, atrás de mim, correndo de quem passava, e dos homens que queriam mais não podiam mexer com elas. Eu deveria chamar meu pai, chamar alguém que cuidasse das duas, mas se o fizesse não me libertaria mesmo de nenhuma. Dominariam minha mente.
- As duas podem ficar comigo – a menina mostrou uma empolgação verdadeira. – Mas só por hoje.

Um Amor Mouro - III

Subi e olhei o mar, com as duas a tiracolo, as ondas batiam com força e pingos me alcançaram. Alegrei-me por um momento, mas no outro me lembrei de que o porão deveria estar coberto por água. Que todos que estivessem lá, estavam molhados e presos. Desci o mais rápido que pude e vi os guardas, tinha que me libertar delas e pedi que fossem pegar para mim varias coisas em meu quarto. Corri para a cozinha e quando tive a oportunidade de não ser vista, desci pela abertura no chão e cheguei no porão.
Eu caia sobre um pequeno espaço, entre a escada e a parede de madeira. A água batia na minha cintura e estava sobre a escada. Entre a mensidão de homens amontoados vi o meu. Ele estava preso de forma horrenda, grudado ao chão graças a correntes enormes. Meu coração me alertou o que eu já via. Corri, pedi licença, mas a maioria não me entedia, estavam casados, preocupados, sofridos. Mas eu queria alcançá-lo, queria ajudar, minha preocupação só aumentava à medida que me aproximava.
Puxei sua cabeça, a enterrei entre meus braços. Pedi desculpas, todas as desculpas que ele merecia, eu chorei por ele, por todos. Ele tentou levantar os braços, mas as correntes impediram que tomassem seus destinos, minha boca. Ele queria me calar.
- O que você faz aqui Clara? – ele me olhou desgostoso.
- Te ver. – o barco balançou com força e a água molhou minhas costas.
- Suba. Vá para o seu quarto. Te pedi para não vir hoje. – ele balançou sua cabeça, tirando minhas mãos dela.
- Eu estava no meu quarto, mas eu me preocupei... – tentei beijá-lo, mas ele virou o rosto.
- Você não me respeita! – ele falou com raiva.
Ele estava brigando comigo? Mas eu queria vê-lo, queria cuidar dos seus machucados e dos novos que via em seu pescoço e ombros. Queria tirá-lo dali e deitá-lo em minha cama, acabar com aquele seu sofrimento.
- Eu quero que você me escute. Não vou falar mais. Vá embora! Não te quero aqui! Saí de cima de mim, não te quero por perto! – ele se balançou, tentando me tirar de cima do seu corpo.
Apertei minhas pernas em volta de sua cintura. Abracei seu tronco e pousei meu rosto em seu pescoço, ele soltou uma exclamação e fez um som de bicho, falando em sua língua. Mas eu não escutei, queria ficar ali, perto dele.
- Você quer me prejudicar. – ele disse já calmo.
- Não... Como assim? – perguntei , sem entender o que ele queira dizer com aquilo.
- Seu pai. Onde ele estar? Ele sabe que você esta aqui..., com um preto? – ele disse irritado.
Olhei em volta, todos me olhavam. Ele não precisava me dizer aquilo, eu só iria embora quando quisesse. Meu pai era o mínimo em relação a tudo, o problema dele era comigo. Ele não me queria ali em baixo, por algum motivo me queria longe. Talvez vergonha de sua situação, ou raiva da minha posição.
Envergonhada estava eu. Por ser uma mulher, uma mísera iniciante a mulher. Por não fazer mudança, minha situação era a pior, amar e travar uma briga eterna com seu amor, para que acredite no que sinto, e uma briga com o mundo, que ria de mim.
A minha posição é a mais humilhante, ser filha, de um homem que me tolera. Que me aceita por parecer com sua mãe, uma velha de onde não se resta nem pó. Por ser um criança, mimada e burra, filha de um homem que nem me conhece.
Eu me levantei, teria saído pela entrada, mas o meu grande final prejudicaria a todos, crescer estava sendo horrível. Quando cheguei à porta de meu quarto, escutei que as duas brigavam, dei meia-volta e fui falar a meu pai.
- É isso que lhe peço. – disse no fim do meu longo e detalhado pedido.
- E o que você me dará em troca disso? – ele falou sem maldade alguma.
- Ficarei devendo. Um dia você poderá me cobrar. – me levantei.
Já me dirigia à porta, mas ele voltou a falar.
- Fisicamente você parece com sua avó, mas a cada dia me vejo mais em você, do que um dia cheguei a imaginar. – ele saltou uma baforada de fumaça.
- Papai, então não terei pressa.

Um Amor Mouro - IV

Saí e um dos marujos, tocava um pequeno instrumento, que me lembrou uma miniatura do violão que meu primo tocava nas noites de verão. O som era animado e ele começou a cantar, e gritou “bons marujos não negam uma dança!” Não pude negar.
Girei em volta de mim mesma, muitas e muitas vezes, como sempre fazia quando criança. A sua canção contava a história de um capitão que queimava seu barco, para iluminar o céu, em suas noites solitárias sem suas mulheres de pequenos olhos. Ele colocou seu chapéu em minha cabeça e pediu que o acompanhasse.
- Dedos de quê? – lhe perguntei sem entender seu ultimo verso.
- Em dedos de mel, nos perdemos, pobres marujos. – ele me ensinou, com paciência.
Se mulheres voam não saberei.
Se brumas é do que o mar é feito...
Dedos de mel, nos perdemos, pobres marujos.
Queimarei meu navio. Queimarei meu navio.
Iorrou,iorrou, queimarei meu navio.
Saudades terei, terei, de minhas mulheres.
Então viverei, nessa escuridão, como teus olhos pequenos.
Dedos de mel, nos perdemos, pobres marujos..
.”
Meu pai me olhava. Então acabamos e segui, ainda rindo para meu quarto. Chamei o homem e lhe joguei seu chapéu, ele agradeceu pomposamente, e se desequilibrou, rimos juntos.
- Eu irei dormir, se vocês puderem, por favor, façam silêncio. – me deitei nos panos que arrastei até o chão.
Nenhuma das duas tinha feito nada. Mas já que não poderia ficar sozinha em meu quarto, poderia ficar sozinha em meu silêncio.
- Não vai se trocar? – a mais velha das duas disse, passando a mão pelo meu vestido ensopado.
- Não! – puxei meu vestido.
Queria silêncio, mas parecia ser muito para as duas. Discutiram perto de mim, o que poderia me acontecer por ficar vestida com aquele vestido molhado. Não me importava, queria ficar doente, estar prestes á morte, não me importava. Imaginava meu lindo vindo me ver, indo cuidar de mim, me perguntando de que forma gosto o chá, e se as cobertas estão quentes o suficiente.
- Que som é esse? – uma olhou para a cara da outra, assustadas.
- Não saia! – a mais nova repreendeu a mais velha.
O som de correria, vozes altas e algumas risadas contidas, eram ouvidos do lado de fora do quarto. O meu pai tinha cumprido sua promessa.
Corri e tranquei a porta, sob o olhar assustado das duas intrusas.
– Que horas são? – perguntei.
- Logo vai anoitecer. – uma delas disse.
- Ninguém sai até escurecer. – dei a chave a mais velha e pedi que guardasse.
Voltei a me deitar e comecei a rezar, pra que Deus me desse, força para não arrancar a chave das mãos daquela mulher, abrir a porta e sair correndo atrás do meu amor. Não poderia por tudo a perder, não poderia entregar a meu pai os meus segredos.
- Por que a senhorita estar chorando? – me perguntaram.
O som das vozes de todos em coro, cantando, entrava pelas janelas do meu quarto. O meu amor estava vendo o por do sol, as nuvens alaranjadas no céu, a imensidão do mar. Ele estava bem, e esperava que feliz, não podia estar ao seu lado, mas minha mente se mantinha ocupada pensando nele.
Queria poder, pegar aquela cena e transcrever. Queria dá vida as palavras e mostrar a beleza de todo aquele momento. O coração do meu amor ainda batia, não existiria nada melhor. Queria desobedecer minhas regras, e amar o meu amor onde tudo começou.
Ouvir seu chamado e não poder ir ao seu encontro, era tortura demais!
Não durou muito. O Sol pareceu ouvir as frases horrorosas que os marinheiros falavam aos negros, humilhavam sua cor, seu estado, sua miséria, e se pôs mais cedo que o esperado.
Eles pararam de cantar. Ouvimos do quarto, todos passarem, serem arrastados e novamente silêncio.
- Pela manhã levarei vocês até meu pai. – disse tentando ocultar a tristeza em meu olhar.
Elas me olharam implorantes e desesperadas
- Tenham, calma! Assim vocês me assustam. O que falarei com ele não prejudicará nenhuma. – me virei, me cobrindo toda.
Dentro do quarto tudo parou. As duas deveria não acreditar no que dizia, mas eu não devia mais explicações, por mim não acreditavam. A minha tristeza era maior, e estava crescendo à medida que a saudade vinha junto. Esperava que o que pretendia fazer por elas, não me prejudicasse em nada.
Esperei...

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Senhorinha.

- Você é quente, doce. Eu tenho certeza, estou apaixonado por você.

Se sou quente é que nasci em dia de Sol.
Se sou doce, é graças ao gosto do meu mel.
Mas você, Ciro, gostando de mim.
É porque amor, vivemos em segredo.
Pecando sobre a noite, e aquecendo o mundo.


- Não consigo viver mais sem você.

Vivi sim Ciro. Viveu tudo isso, aguenta mais.
Meu menino-moço. Dexa de sofrer.


- Foge comigo Senhorinha, foge.

Isso não existe! Isso é vida, isso é carne!
Nem se quisesse, Deus não permite.
Perdido no mundo já tem muito demônio.
Peca aqui comigo.


- Quero mais. Odeio que te olhem!

E odeio falar e não aproveitar.
Me dá o que te peço.


- Mas você não me devolve.

Te dou mais. Te dou o meu calor.
Te dou o meu interior.


- Que injustiça!

Injustiça é você não me respeitar.
Que desagrado sinto, em não ser tocada por você.
Que solidão em ti ver aí, sentado, longe de mim.
Melhor é morrer!


- Não fala isso. Não brica de falar sério. Se te perco...

Você se liberta.

- Graças à morte. Mato-me.

Que fim tu teriás?
No inferno não há feios. E no céu, os anjos te invejariam.


-Não fale assim. Para Senhorinha.

O que digo? Meu silêncio gosta de ocupação.

-Hoje estou com sono...

Está com medo! Como posso me confiar em você?

-Não confia, apenas dorme. Fecha os olhos e dorme.

Trecho do livro Senhorinha do Largo Campina.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Qual o meu nome?

Eu saí de casa, cara. Não tenho dinheiro para nada, minhas roupas não duram três dias e não tenho para onde ir. Eu deixei para trás uma briga feia com minha família. Nunca imaginei que chegaria tão longe, que a pista lá embaixo não me causava tanto medo quanto o que eu estava sentindo, estando em cima do muro.
Ajeitei melhor a mochila nas costas e corri o mais rápido que pude, até sentir um puxão na sola do pé, que me fez parar e ver a nuvem gigantesca e arroxeada sobre mim. Eu passaria aquela noite com Bob, e eu sabia que a noite seria longa, e muito barra-pesada, eu não dormiria.
Na geladeira não tinha nada. A casa estava bagunçada e suja, muito cigarro, muita bebida, e Bob ocupado para mim, ele tocava com os amigos. Fiquei de lado.
Ele tocava bem, cabelo bagunçado, fumaça saindo da boca, camisa preta, bota nos pés, unhas sujas e dedos grossos. Como minha mãe o odiava.
Primeira vez que bebia, era ruim, Bob me disse que passaria meu medo, me acalmaria. Não fez nenhuma diferença, me senti até mais desperta. Me sentia péssima.
Bob não mandou os amigos irem embora, não saiu de perto deles, acho até que riu mais alto, invento músicas, contou piadas, deu os seus últimos trocados por mais bebida. Ele não queria me consolar, não queria ficar perto de mim. Como ele gostava de me maltratar.
Mas até os seus amigos conheciam o limite. Se cansaram e foram embora, Bob não gostou, me olhou com raiva, ou pior, não me olhou, estava com muita raiva.
Me levantei, me aproximei, ele me afastou, tossiu, pegou um cigarro, ascendeu o cigarro, soltou a fumaça e bebeu uma cerveja. Me mandou tomar banho, ele já queria ir dormir.
Lavei o cabelo, desembaracei enquanto tomava banho mesmo. Olhei para baixo, não sabia como ele me queria, eu não sabia como me raspar sem me cortar, mais fácil foi escovar os dentes. Como eu era desinformada.
Bob fumava outro cigarro agora, lia um papel na cama, virou os olhos para mim e me olhou como se olhasse para a parede, voltou a ler. Fumou o seu cigarro, dobrou seu papel, se espreguiçou, sorriu para mim e me chamou para perto. Ele cheirava a erva.
Ele me deitou, se sentou de pernas cruzadas ao meu lado e me olhou, parecia o Buda, só que um Buda de cabelo sujo. Pela primeira vez ri, Bob não precisava se esforçar muito, para conseguir isso de mim.
Desatou a toalha que me cobria, fez como se abrisse o seu mais esperado presente na manhã de Natal. Nunca me senti tão aflita, e se ele não gostasse?
Você é linda” Foi o que quis escutar. Mas recebi um “Peitões” acompanhado de uma boca curvada, aprovando com direito a uma cabeça inclinada no final. Bob poderia se esforçar mais, ele poderia me dizer coisas tão bonitas, mas o seu “Gostosa” foi melhor aceito, no final. Mas mesmo assim machucavam meus ouvidos.
Passou à mão em mim, olhando meu rosto, ele gostava de me ouvir implorar. Apertou os meus peitos e brinco com seus dedos entre as minhas pernas, arrastou por muito tempo seus lábios por minha barriga, me arrepiando, eu delirava.
Bob sabia que nunca tinha feito nada, pelo meu jeito ele sabia. Mas o Bob que eu conhecia não era bom, não era legal. Aquilo para ele era uma brincadeira, e ele jogava bastante comigo, mas ele não estava me satisfazendo, ele estava se martirizando, aquilo o excitava, ele era mal. Como Bob conseguia ser tão perverso? Ele era sádico.
Ele abriu a calça, puxou a cueca para frente e mandou que eu o tocasse. Senti medo de o machucar, mas ele repetia e repetia que aquilo não doía, que a cada aperto meu, ele me queria mais e mais. Então porque eu não acreditava? Me senti tão idiota por não saber como saciar um homem. Bob era um homem.
Pirracenta” Ele me dizia toda hora, mexendo com minha mão em seu prazer alucinado. Mas eu não estava pirraçando, queria fazer tudo certo, não queria deixa ele apenas na mão.
Ele segurou um dos meus seios, e me senti orgulhosa pela primeira vez de mim mesma. O meu corpo tinha poder sobre ele, então não era tão inocente assim, fechei os olhos e me mexi chamando o seu nome. Não fazia ideia do que fazia, mas Bob não esperou muito para responder ao meu chamado. Sua resposta doeu, ardeu, e me machucou, muito e pouco, tudo ao mesmo tempo.
Bob não parou, até se sentir saciado, caiu sobre mim, ajeitando sua cabeça sobre os meus seios, com uma das mãos neles, em silêncio apertava o bico do meu peito esquerdo.
“Amanhã temos que acordar cedo.”
Imaginei que eu não chegaria a dormir, para poder acordar. Eu era uma criança, e nada daquilo era para mim, não naquele momento. Mas eu estava com Bob, e mesmo ele me machucando, era para ele que eu corria.
Ele se roçou em mim mais uma vez e eu me preparei para uma longa noite ao lado de Bob.
Escovei os dentes, aquilo me fez sentir mais a vontade, poderia sim chamar aquela casa de lar. Não tomamos café da manhã, Bob não escovou os dentes, não fez nada além de acender seu primeiro cigarro do dia. Mexeu nos bolsos e me chamou para fora da casa.
“Vamos ter que conseguir uma grana. Ali naquela casa tem umas jóias e talvez a gente ache até uns dólares, coisa de sorte mesmo. Você vai ficar aqui até eu te chamar daquela porta, ali no fundo. Vai ser uma coisa rápida, a gente pega e vaza, entendeu? Vou entrar.”
Bob estava assaltando uma casa? Eu concordei com ele, não poderia dá no pé naquele momento. Bob precisava de mim.
Depois de cinco minutos ele assobio da porta que tinha me dito e eu entrei correndo. Na cozinha encontrei duas mulheres deitadas no chão, um cara sangrando próximo ao armário e Bob vindo na minha direção com dois sacos, me entregou um balde preto, com mais sacos. Olhei novamente para o homem, ele se mexeu, me olhou, Bob olhou para ele e ele escondeu o rosto entre os braços.
“Anda! Saí daqui! Te encontro em dois minutos.”
Bob me empurrou, e me toquei do que aquilo se tratava. Bob não estava assaltando uma casa eu é que estava roubando friamente aquelas pessoas. Entrei no carro, coloquei os sacos no banco de trás e escutei quatro disparos, vi Bob saindo da casa, vi Bob entrando no carro, vi Bob sujo de sangue.


Bob pediu que eu o seguisse, até chegarmos em um quarto. Ele olhou através da janela e ficou vendo alguma coisa lá embaixo, lá em cima, lá longe, depois virou seu rosto para mim.
Eu não sabia bem ao certo se eu iria embora, e mesmo se o fizesse, se acharia um homem como Bob, que me fazia sentir aquele prazer.
Ele não falava nada, e já tinha parado de me olhar há muito tempo.
Aquele silêncio era um sinal, e era possível fazer meu corpo sentir o que viria. Mas eu estava naquele momento em que temos muitas respostas, mas não sabemos bem ao certo qual pergunta fazer.
Bob fechou os olhos e segurou com força algo dentro de seu casaco. Eu sabia o que era.
Bob me deu tempo para correr, e na minha cabeça me vi correndo, pulando os degraus, abrindo com as duas mãos a porta e fugindo para longe.
Bob tirou sua arma do bolso. Era preta e grande. Bob não aceitaria ter uma diferente. Como Bob era convencido até em seu lado mais obscuro.
Bob apontou a arma para mim. Eu não chorava, ele me mataria e eu não duvidei. Como eu poderia ser feliz sem saber para onde ir? Ir para longe de Bob.

Bob disparou, eu me inclinei para o lado, à bala atingiu meu quadril. Bob atirou novamente, e mais uma vez. Caí para trás, com as pernas tortas sob mim, essa tinha atingido meu peito, meu rosto. E como pôde passar pela minha mente fugir dele?
Eu já tinha ido embora há muito. Aquela corrida Bob tinha perdido, eu já estava longe, com seu casaco de lã e seus trocados, sobre a maior ponte do mundo, vendo todos os carros passar e tendo a maior nuvem arroxeada do céu, sobre mim.
Aquela noite eu passaria sozinha, dormiria muito, e continuaria inocente.
Bob se sentou do meu lado, com suas pernas cruzadas. Tirou a minha mão da garganta, segurou os meus dedos e me disse assim.

"Você ainda gosta de mim?"

Foi difícil entender. Mas já era tarde. Aquele homem tinha me roubado com sua dúvida. O amor deveria escorrer com o sangue, mas eu... Ah Bob! Eu ainda o amava...

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Acho que...

Tenho certeza que me falta naturalidade. Não sou boa em conversar com pessoas idiotas, me cansam e eu corto mesmo, sem chance. E odeio conhecer pessoas novas, “pessoas que outras pessoas acham que seria bom eu conhecer” Nunca dá certo. Nasci velha. Não bebo, não fumo, não gosto de sair. Pressinto dias ensolarados. Pretendo me bronzear, usar os meus óculos-escuro, acreditando que ninguém saiba, que eu observo tudo. Levo comigo uma esperança ilusória e a inocência de criança.
Talvez a forma que encare o mundo, a vida, me dê calma. É bom ter noção que vou morrer, que um dia, alguém que ame muito não voltara pra casa. Que tudo acaba, que nem todos gostam de mim, e que tem quem goste. Que o ser humano é egoísta, e sempre pensa em si. Que temos um péssimo habito de moldar as pessoas da forma que achamos conveniente e correto. Que acreditamos ser tão diferentes dos outros, mas no fim nem é tanto assim. Que é possível ter amigos, ser amigo, basta não confundir, ou inventar uma amizade. Amigo se cria, e não é necessário passar por dificuldades, para procurar, cobrar favores. Muito menos viver agarrado, e se questionar porque também não tem amigos que o visitem com mais frequência... Amigo é amigo e só.
Existe aquele “sempre”, mas terá de deixar passar algumas palavras não ditas, e aquele infeliz sintoma de ciúme. Existe aquele amor, existe sim, mas você tem que saber, logo no começo, se tem capacidade de conhecer quem esta ao seu lado, e amar, porque quem ama não cria muros, quem ama não revida, quem ama se esquecer para o amor. E todos os defeitos serão insignificantes perante o olhar, a voz, e o jeito tão único...
Eu estou me preparando, guardando energia para essa aventura. Me disseram quando criança que vou conhecer tantas coisas, e poderia fazer o que quisesse. Eu acredito, e sinto frio na barriga, porque eu levo comigo uma esperançam mesmo que ilusória. E uma inocência do tempo em que era criança.